Nesta celebração dos 48 anos do eterno 25 de Abril não podíamos deixar de prestar homenagem a João Abel Manta.

Primeiramente, João Abel Manta era mestre no uso de elementos gráficos e combateu com a sua arte um regime opressor de forma tão irónica quanto inteligente. 

A força imagética das suas ilustrações era plástica e incisiva e atacava com um tom satírico como ninguém.

Teve, igualmente, um papel de elevada importância na formação de um público pós-revolução, a quem esconjurou lembranças tristes e tiranas. 

A sua arte não perdeu força nem cor

A obra perdura no tempo e quase meio século depois chega-nos com a mesma voz tão urgente quanto libertadora como outrora.

Afinal, a ridicularização da ditadura tornou-se intemporal e expôs o desastre da colonização e da repressão política vivida até 1974.

Em suma, tornou-se uma voz emblemática de um Portugal revolucionário.

A propaganda do Estado Novo

Até 25 de Abril, Portugal atravessou um período político onde a censura era forte e a liberdade de expressão severamente reprimida.

Antes de mais nada, o povo era constantemente exposto a propaganda unilateral, levando-o a acreditar que apenas os ideais do Estado Novo conseguiriam levar à salvação do país. 

Ou seja, a propaganda do Estado Novo reforçava estes ideais, com a proclamação de um novo regime de disciplina e autoridade que viria proteger a nação. 

Da mesma forma a comunicação gráfica utilizada na propaganda da época, era dotada de elementos de raiz popular e influenciada pelo heroísmo.

Como representado nas imagens abaixo.

Cartazes de Propaganda do Estado Novo

Os cartazes eram utilitários e informativos

Os cartazes eram utilitários e informativos e tinham uma função de instrução e de intervenção na sociedade. 

Em síntese, eram constantemente reforçados valores como o apreço à religião, à nação e à família – sempre com destaque a Salazar – numa tentativa de unir o povo. 

Os cartazes eram, igualmente, o principal meio de comunicação do Estado e uma forma de fazer chegar a toda a população os seus ideais, para não existirem equívocos.

A linguagem era, antes de mais nada, o mais universal e clara possível.

A informação textual era reduzida (a maioria do povo era iletrada) e dava-se prioridade à imagética. 

Estes elementos eram, igualmente, dotados de realismo e rigidez e ainda de contraste na sua mensagem de ordem e desordem.

Os tons negros e frios suportavam regularmente as formas das figuras que eram iluminadas por tons cremes e quentes, como o laranja e amarelo, numa aproximação simbólica das searas, apelando à prosperidade. 

Era, assim, costume encontrar tons vermelhos em elementos aos quais se pretendia chamar a atenção.

Em relação à tipografia, as fontes serifadas apresentavam-se regularmente em caixa alta e condensadas, que davam um tom elegante à mensagem.

Por outro lado, o recurso a fontes não serifadas de baixo contraste no traço invocava rigidez e um tom de voz imperativo.

Abel Manta e o ativismo político

É neste contexto que recordamos João Abel Manta, artista plástico, nascido em 1928 e à beira da ditadura do Estado Novo.

Foi desde cedo instruído a ter uma flexibilidade intelectual pelos seus pais, que o levaram a viajar a grandes capitais europeias enquanto jovem. 

João Abel Manta (1928)

Assistir às tertúlias sobre política e cultura que aconteciam em sua casa, muitas vezes feitas em surdina, despertou-lhe a resistência à autoridade e visão combativa de regimes políticos opressores.

Chegou mesmo a ser preso pela PIDE por pertencer a um grupo considerado clandestino. 

Foi na arte que João Abel Manta encontrou a sua voz e apesar de ter estudado e tomado arquitetura como profissão, foi no desenho que encontrou forma de intervir socialmente com o seu talento estético vincado de ativismo político.

Deste modo, nos anos 50 trabalhou como ilustrador para o jornal “O Século” e nos anos 60 continuou a apurar o seu estilo gráfico para revistas como o “o Almanaque” ou a “Seara Nova”.

Abel Manta e a liberdade de expressão do povo oprimido

Foi após o 25 de abril, por motivos óbvios, que a voz de Abel Manta mais se fez ouvir. Neste tempo tornou-se um afincado defensor da Revolução dos Cravos, dos seus valores, da liberdade do povo e de expressão.

O seu cartoon, ilustração humorística de carácter crítico que retrata um acontecimento social ou quotidiano, foi irreverente numa época antes e pós-ditadura e é facilmente identificável com o contorno a traço grosso. 

Além de cartoons, João Abel Manta produzia pinturas e outro tipo de ilustrações, mas a escolha deste tipo de ilustração recai sobre a necessidade de assimilação da mensagem imediata do desenho de intervenção e possibilitava um diálogo directo com o público. 

O que melhor caracteriza estas obras são, de facto, o seu tom incisivo e satírico numa altura em que a censura fechava tipografias e proibia novas ideologias e os seus pares se refugiavam num humor simples e popular. 

As obras interventivas de Abel Manta

As obras de João Abel Maia eram irónicas e parodiavam a rígida e absurda realidade vivida na altura.

Chegou mesmo a opor-se à televisão em 1972, quando publicou uma ilustração alusiva ao Festival da Canção onde a bandeira foi utilizada, aos olhos da censura, de forma abusiva e desrespeitadora. Tal ilustração levou-o a ter de se defender em tribunal. 

O domínio das artes gráficas era notável como se pode ver pelos cartazes alusivos ao Movimento das Forças Armadas e cartoons relativos à pós revolução, período constantemente ameaçado pelas forças reacionárias. 

Da mesma forma, contrastavam fortemente e de forma inequívoca com as ilustrações e cartazes encomendados pelo Secretariado de Propaganda Nacional.

Afinal, João Abel Manta recorria a tons escuros que apelavam à opressão e política social no Estado Novo, abrindo a cor no período pós revolução, mas também na mensagem.

Abel Manta (Imagens da esquerda para a direita): Ilustração “Fascistas Mal Enterrados”, Cartaz “MFA – Sentinela do Povo”, Ilustração “Escafandro e Detenção de Abel Manta”

O pós 25 de Abril de 1974 e a democratização na criatividade

A criatividade deixou de estar sujeita a aprovação prévia de uma identidade estatal ou de obedecer a finalidades programáticas e políticas. 

Ou seja, deixou de estar centrada na imaginação de um império para se centrar na imaginação do artista, onde sempre deveria ter estado. 

Neste período, tanto a cultura como a arte foram entregues ao povo e este gesto permitiu a descoberta de novas formas de técnicas e de expressão artística. 

O cartaz, outrora monopolizado pela ditadura, tornou-se do povo e a mensagem salazarista virou encarnada de cravos e de auto-expressão. Foi também graças à propaganda pública que este deixou de ser uniformizado. 

A abertura do país ao exterior

A abertura do país ao exterior fez com que se alargasse a liberdade de expressão e se percepcionasse a produção artística mundial. Descobriu-se, por exemplo, a arte conceptual, inovadora no panorama nacional. Surgiram murais e a iconografia tornou-se presente. 

O teatro inundou-se de pessoas a quem lhes tinha sido negado o poder de ver peças rejeitadas pela censura e a música veio do exterior para o interior do país.

O cinema deixou de retratar o Império e a imagem exterior e focou-se no particular. 

Deixou de retratar estereótipos comportamentais, abraçou o interior das casas e das pessoas. Abraçou todas as outras artes e mostrou textos até então proibidos. 

A população teve, ainda, acesso a literatura que retratou o colonialismo ou a evolução da sociedade desde a monarquia à democracia. 

Como Abel Manta influenciou o Design português

Não podemos concluir este artigo sem mencionar como a Revolução dos Cravos nos afecta actualmente. Foi graças à intervenção do Movimento das Forças Armadas que a cultura gráfica em Portugal expandiu de forma tão rápida.

A conquista da liberdade de expressão foi um dos elementos-chave que mais afectou a sociedade portuguesa e a forma como o cartaz passou a ser utilizado mudou radicalmente.

A troca de ideias com o exterior fertilizou a nossa cultura visual e o cartaz deixou de ser um veículo político.

O cartaz passar a ser do povo e dos seus ideais, aproximando-os.

João Abel Manta continuará a inspirar-nos. Não apenas como pessoas, mas como designers pela sua intervenção e crítica incisiva através de elementos gráficos tão expressivos quanto belos.

Temos uma equipa de designers pronta para responder aos desafios de diversificadas marcas. Conheça o nosso trabalho.

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